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A Índia como potência periférica: sinergias e potencialidades na relação bilateral com o Brasil

Por Fernanda Guimarães*



Foto: © Mikhail Klimentyev / AFP


A Índia é considerada uma das nações em desenvolvimento mais promissoras em termos de potencial econômico da atualidade. Desde a década de 1990, o país demonstra taxas elevadas de crescimento da economia de aproximadamente 6% ao ano, de acordo com dados do Ministério das Relações Exteriores do Brasil. O período de 2003-2010 registrou o ápice das taxas de crescimento econômico, de 8,3% ao ano. Posteriormente, de 2011 a 2016, o crescimento desacelerou, demonstrando a taxa de 6,8% ao ano. O período de 2016-2018, por fim, manteve a média similar ao anterior, apresentando a taxa de 6,6% de crescimento ao ano, de acordo com Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (2018) e o Trading Economics (2018).


O elevado potencial de crescimento demonstrado pela economia indiana faz com que o país se torne altamente atrativo para o investimento internacional e comércio exterior. A internacionalização da Índia é central para que o país possa se destacar nas dinâmicas econômicas e comerciais globais, estreitando suas relações com parceiros estratégicos. Atualmente, de acordo com Banik e Padovani (2014), a Índia é um dos maiores destinos de Investimento Direto Estrangeiro (IDE) entre as economias emergentes, recebendo em média US$25 bilhões por ano ao longo da década de 2000.


A taxa de abertura da economia indiana atingiu o patamar de 40% desde 2013, sendo um nível elevado para padrões internacionais, especialmente dentre as economias emergentes internacionalizadas. A tendência de inserção internacional em grande magnitude sinaliza maior integração da economia indiana com as cadeias produtivas globais, de modo que o país representa um importante centro produtivo e comercial, ainda de acordo com o artigo “Índia em transformação: o novo crescimento econômico e as perspectivas pós-crise”, publicado em 2014 na Revista de Sociologia Política por Arindam Banik, economista indiano e Diretor do International Management Institute de Kolkata desde 2014, e Fernando Padovani, professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro.


O governo indiano, em 2014, lançou um programa denominado “Make in India” com o objetivo primordial de transformar o país em um centro de produção com destaque a nível global, estimulando a atividade de empresas domésticas e multinacionais dentro da economia indiana. A iniciativa visou elevar a contribuição do setor manufatureiro para 25% do Produto Interno Bruto até 2020, o que representou uma elevação de 16% em relação aos indicadores detectados no ano de lançamento da iniciativa em questão. Desde sua implementação, o programa Make in India incentivou a realização de IDE, de modo que os fluxos de IDE entre o período de 2014 e 2016 aumentaram em 55%. Além disso, foi criado um aparato jurisdicional para direitos de propriedade intelectual, a Índia foi elevada ao patamar de 57º país mais inovativo do mundo. O país também promoveu reformas e melhorias na sua infra-estrutura produtiva e, consequentemente, houve a intensificação do corrente processo de desenvolvimento do setor industrial.


As altas taxas de crescimento anual da Índia, índices econômicos favoráveis, o fluxo elevado de IDE, a grande abertura comercial e os avanços em direção ao maior desenvolvimento alcançados por meio de iniciativas governamentais, como o programa Make in India, fazem com que o país se torne um dos polos de maior projeção da economia mundial da atualidade.

As relações bilaterais entre a Índia e o Brasil


A Índia e o Brasil contabilizaram mais de 70 anos de relações bilaterais, desde a declaração da independência da República da Índia em 1948 do domínio britânico. Assim, é possível dizer que há grande complementaridade e sinergias que podem ser exploradas em meio a relação bilateral entre a Índia e o Brasil, observadas na conjuntura geopolítica e na miríade de acordos e trocas comerciais que se estabeleceram entre os países.

O promissor histórico de relações bilaterais entre a Índia e o Brasil é refletido na interação entre os países atualmente. As trocas comerciais entre a Índia e o Brasil ultrapassaram USD 7 bilhões em 2019, com importações provenientes da Índia no valor de USD 4,26 bilhões, de acordo com dados da Agência Brasileira de Promoção de Exportações (Apex-Brasil). No entanto, é possível afirmar que este volume de comércio ainda é pequeno ao considerar o potencial apresentado pela relação entre as duas nações. Ainda assim, o momento atual geopolítico sinaliza um contexto propício para a aproximação entre a Índia e o Brasil.


Na última visita oficial da Presidência da República do Brasil em Nova Delhi, em janeiro de 2020, foram firmados 15 acordos bilaterais e memorandos de entendimento em diversos setores, contemplando variadas áreas de atividades: cooperação para defesa; combate ao crime e ao terrorismo e segurança cibernética; comércio internacional; fontes de energia; agricultura e pecuária; tecnologia e inovação; saúde e medicina tradicional; conectividade; intercâmbio interpessoal e cultura.

No entendimento do embaixador Samuel Guimarães, que ocupou na década de 1990 o cargo de Diretor do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais da Fundação Alexandre de Gusmão do Itamaraty e também desempenhou proeminentes funções na diplomacia econômica brasileira, em especial na área de integração, o Brasil e a Índia apresentam sinergias por serem considerados "grandes países periféricos", ou seja, “países não-desenvolvidos, de grande população e de grande território contínuo, não-inóspito, razoavelmente passível de exploração econômica”, o que os designa uma classificação diferenciada dos demais países que compõem a periferia global e, portanto, são compelidos a exercer diferentes efeitos nas dinâmicas internacionais. Assim, a exploração do potencial advindo de uma população numerosa e extenso território produz efeitos sobre a capacidade da Índia e do Brasil de se projetarem e, consequentemente, exercer influência nos âmbitos regional e mundial.


Foto: The Brazilian Report


Nesse sentido, ainda de acordo com Guimarães, esses países podem explorar suas potencialidades “para promover maior acumulação de capital, desenvolvimento científico e tecnológico, produção e produtividade, capacidade militar convencional e não-convencional, competitividade ampla e diversificada em nível internacional, com menor vulnerabilidade a choques e pressões externas”. Assim, a Índia e o Brasil apresentam peculiaridades e sinergias que os diferenciam das demais potências periféricas da ordem global atual.


A aproximação entre a Índia e o Brasil se torna mais evidente quando analisada a relação entre os países pela ótica dos BRICS. A reunião mais recente do grupo, a XI Cúpula dos BRICS, ocorrida em novembro de 2019 em Brasília, deixou evidente a grande interação indo-brasileira, por meio dos variados encontros entre os líderes dos países, nos quais foram discutidos assuntos relacionados à cooperação em ciência, tecnologia, inovação, economia digital, combate ao crime organizado transnacional, questões comerciais e financeiras internacionais.

A indústria farmacêutica indiana e o combate ao covid-19: implicações para o Brasil

A instauração da pandemia da covid-19 trouxe implicações para a indústria farmacêutica indiana e seus parceiros, notadamente o Brasil, considerando a relevância da contribuição indiana para o mercado farmacêutico brasileiro. No comércio internacional entre a Índia e o Brasil, os produtos farmacêuticos, de acordo com a Apex-Brasil, figuram entre os principais itens comercializados.


A indústria farmacêutica indiana apresenta destaque nas dinâmicas internacionais por colocar o país na posição de maior produtor de medicamentos genéricos do mundo, e é responsável pelo abastecimento de 50% das vacinas aplicadas globalmente, de forma que as exportações do setor atingiram a marca de USD 19,14 bilhões no ano fiscal de 2019. O setor farmacêutico na Índia foi avaliado em USD 33 bilhões em 2017, e demonstra expectativa de crescimento para USD 55 bilhões em 2020, de acordo com dados do India Brand Equity Foundation (IBEF).


Foto: European Pharmaceutical Review


A partir de 24 de março de 2020, com a declaração por parte da Organização Mundial de Saúde do status de pandemia por covid-19, o governo indiano decretou lockdown no país, paralisando mais de 1,3 bilhões de pessoas, e configurando o maior lockdown do mundo no momento atual. Além disso, o governo indiano decretou uma série de medidas sobre a proibição de exportação de medicamentos, máscaras descartáveis, respiradores e ventiladores, com o objetivo de resguardar estoques destes produtos para abastecimento de sua numerosa população. A proibição inicial da exportação abrangeu 28 medicamentos, formulações e ingredientes farmacêuticos, muitos dos quais são comumente consumidos pelos brasileiros, como o paracetamol, neomicina, aciclovir e vitaminas do complexo B. A proibição de exportações indianas também incluiu a hidroxicloroquina, medicamento apontado por estudos recentes como responsável por melhorias em casos de contaminação por covid-19.


No entanto, tais medidas foram suspensas no início do mês de abril de 2020 em virtude do trabalho da diplomacia brasileira e da proximidade cooperativa entre a Índia e o Brasil na conjuntura geopolítica atual. Nesse sentido, ocorreram tratativas e comunicações entre a Presidência da República do Brasil e o Primeiro Ministro da Índia, Shri Narendra Modi, intermediadas pelas representações diplomáticas na Índia e no Brasil, pelo Ministério de Relações Exteriores e pela Câmara de Comércio Índia Brasil, instituição privada sem fins lucrativos que atua desde 2003 em prol do fomento das relações comerciais e culturais entre a Índia e o Brasil. Por fim, a Índia concordou em liberar o envio ao Brasil de um carregamento de insumos para a produção de hidroxicloroquina e outros 13 produtos farmacêuticos que figuram como comumente consumidos pela população brasileira.

Relações Índia-Brasil: daqui pra frente


A Índia apresenta grande relevância nas dinâmicas internacionais contemporâneas, destacando-se por demonstrar participação de suma importância na economia global, e despontando como potência do setor farmacêutico. O elevado potencial de crescimento da economia indiana faz com que o país figure atualmente como um dos principais destinos de investimentos estrangeiros diretos no mundo, tendo as medidas desenvolvimentistas e de incentivo à produção manufaturada promulgadas pelo governo indiano impulsionado o país a níveis elevados de crescimento anual.


A relação bilateral entre a Índia e o Brasil apresenta um histórico de cooperação e amizade, o qual se estende até momentos atuais e é refletido em sinergias em diversos setores, sobretudo geopolítico e comercial. Ambos países se assemelham por apresentar características comuns em termos de população, extensão territorial e complementaridade econômica que conferem a Índia e o Brasil o status de potências periféricas.

Diante das medidas restritivas de exportação de produtos farmacêuticos determinadas pelo governo indiano em meio à conjuntura proporcionada pela pandemia e seus desdobramentos para a comunidade internacional, o Brasil utilizou de mecanismos institucionais, contando com com apoio das representações diplomáticas na Índia e no Brasil, do Ministério de Relações Exteriores e da Câmara de Comércio Índia Brasil, juntamente do respaldo proveniente de uma relação bilateral amigável, para evitar que o abastecimento doméstico destes produtos farmacêuticos fosse prejudicado. Por fim, o quadro restritivo foi resolvido e a liberação de produtos farmacêuticos provenientes da Índia foi retomada.


As diversas similaridades entre as nações se refletem em oportunidades exploradas por um longo histórico de boas relações bilaterais. No contexto do covid-19, a análise da interação indo-brasileira no setor farmacêutico torna-se urgente, dada a importância da nação indiana para o abastecimento da indústria farmacêutica nacional brasileira.


A importância da Índia é notável não apenas nas dinâmicas globais como uma nação em desenvolvimento e de produção relevante para o comércio internacional, mas também como parceria para impulsionar e prosperar as próprias condições brasileiras, ao considerar a cooperação bilateral e sinergias entre as nações.


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Bibliografia básica: Agência Brasileira de Promoção de Exportações (Apex-Brasil). Missão Empresarial a Nova Delhi Promove Negócios entre Brasil e Índia, 2020. <https://portal.apexbrasil.com.br/noticia/missao-empresarial-a-nova-delhi-promove-negocios-entre-brasil-e-india/>; BANIK, Arindan; PADOVANI, Fernando. Índia em transformação: o novo crescimento econômico e as perspectivas pós-crise. Revista de Sociologia e Política, v.22, n.50, 2014 <http://www.scielo.br/pdf/rsocp/v22n50/06.pdf>; GUIMARÃES, Samuel. Desafios e Dilemas dos Grandes Países Periféricos: Brasil e Índia. Revista Brasileira de Política Internacional, v.41, n.1, Brasília, Jan/Jun 1998. <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-73291998000100006&lng=en&nrm=iso&tlng=pt>; India Brand Equity Foundation. Indian Pharmaceutical Industry Analysis, 2020. <https://www.ibef.org/industry/indian-pharmaceuticals-industry-analysis-presentation>; Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial. O Programa Make in India e outras Iniciativas do Governo Indiano, 2018: <https://iedi.org.br/cartas/carta_iedi_n_849.html>; Make in India. The vision, new processes, sectors, infrastructure and mindset, 2017 <http://www.makeinindia.com/article/-/v/make-in-india-reason-vision-for-the-initiative>; Ministério das Relações Exteriores. Coleção de Estudos e Documentos de Comércio Exterior: Como Exportar para Índia, 2012: <https://investexportbrasil.dpr.gov.br/arquivos/Publicacoes/ComoExportar/CEXIndia.pdf>; Ministério das Relações Exteriores. Comunicado Conjunto Brasil-Índia por Ocasião da Visita de Estado do Presidente da República Federativa do Brasil à Índia (25-27 de janeiro de 2020), 2020: <http://www.itamaraty.gov.br/pt-BR/notas-a-imprensa/21258-comunicado-conjunto-brasil-india-por-ocasiao-da-visita-de-estado-do-presidente-da-republica-federativa-do-brasil-a-india-25-27-de-janeiro-de-2020>; Trading Economics. India GDP, 2018: <https://tradingeconomics.com/india/gdp-growth-annual>.


*Fernanda Guimarães é bacharel em Relações Econômicas Internacionais pela Universidade Federal de Minas Gerais, Analista Internacional na Câmara de Comércio Índia Brasil e Assessora Consular no Consulado Geral A.H. da Índia em Minas Gerais.


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