*Por Gabriel de Oliveira Borba.
Foto: UN Photo/ICJ/Frank Van Beek.
No último dia 11 de dezembro de 2020, a Corte Internacional de Justiça proferiu sua sentença sobre o mérito do caso Guiné Equatorial v. França. A disputa discutiu possíveis violações à imunidade penal do então Vice-Presidente da República da Guiné Equatorial encarregado da Defesa e Segurança do Estado, Teodoro Nguema Obiang Mangue, bem como do edifício que atualmente abriga a Embaixada do país na França, na cidade de Paris.
As alegações feitas pela Guiné Equatorial começaram após Teodoro Nguema Obiang Mangue ter sido acusado criminalmente, pela corte francesa, de apropriação indébita de fundos públicos em seu país de origem, cujas receitas teriam sido investidas na França. As investigações começaram em 2007, tendo a justiça francesa determinado em 2011 busca e apreensão de artigos de luxo encontrados no edifício da Rua Forch, atribuídos ao Sr. Mangue. Segundo entendimento francês, posteriormente levado pela França à Corte Internacional de Justiça, à época das investigações o edifício não constaria como local de missão diplomática e, portanto, não estaria protegido por qualquer imunidade prevista pelo direito internacional – em oposição ao que viria a ser alegado pela Guiné Equatorial a partir de então como evidência da ilicitude do ato francês.
No ano de 2012, a justiça francesa ordenou a apreensão do próprio edifício localizado na Avenida Forch, n. 42, em Paris, o qual teria sido, segundo as autoridades francesas, adquirido com verbas ilícitas pertencentes ao Sr. Mangue, que figuraria como real proprietário do imóvel.
Em 2016, a Guiné Equatorial instruiu um processo contra o Estado da França perante a Corte Internacional de Justiça, alegando que o Sr. Teodoro Nguema Obiang Mangue faria jus à imunidade diplomática para acusações criminais apresentadas pelo Estado Francês, devendo a questão criminal ser resolvida exclusivamente pelo Poder Judiciário de Guiné Equatorial. O principal argumento apresentado por Guiné Equatorial no caso, no entanto, dizia respeito à apreensão do edifício localizado na Avenida Forch, n. 42, que ao menos desde 2011 funcionaria como um dos locais da missão diplomática do país na França, segundo as autoridades guineenses.
Foto: UN Photo/ICJ/Frank Van Beek.
Na decisão de dezembro de 2020, a Corte Internacional de Justiça entendeu que o edifício localizado na Rua Forch, n. 42, nunca adquiriu o status de “local de missão diplomática” da República da Guiné Equatorial na República Francesa, de forma a não gozar de imunidade diplomática contra as ações empreendidas pelas autoridades francesas.
O termo “local da missão diplomática” é definido pela Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, em seu artigo 1 (i), sendo assim considerados os edifícios, ou parte dos edifícios e terrenos a ele anexos, seja quem for seu proprietário, utilizados para as finalidades da missão diplomática, incluindo até mesmo a residência do Chefe da Missão. A proteção ao local de missão diplomática é instituída pelo artigo 22 da Convenção, que trata de sua inviolabilidade e da obrigação especial do Estado recebedor em adotar medidas apropriadas para a proteção do local contra qualquer intrusão, perturbação ou ofensa. Nestes termos, tais locais não podem, em regra ser objeto de busca, requisição, embargo ou medida de execução pelo Estado recebedor da missão diplomática.
No caso Guiné Equatorial v. França, no entanto, por entender contrariamente à aquisição de status de “local de missão diplomática” pelo edifício da Rua Forch, n. 42, a Corte depreendeu que a Convenção de Viena não pode ser interpretada de forma que conceda poder unilateral ao Estado remetente (no caso, a República da Guiné Equatorial) para escolha dos locais da missão diplomática, o que deve ocorrer por meio de acordo mútuo entre os Estados envolvidos. Tal entendimento afastou a tese instruídas por Guiné Equatorial de que o Estado recebedor (a França) teria agido de forma arbitrária, discriminatória e fora do tempo hábil ao opor-se à designação do edifício como parte da missão diplomática. Em consequência da desconsideração do edifício da Avenida Forch como “local de missão”, a Corte determinou que o artigo 22 não se aplica ao caso, não adquirindo o edifício imunidade diplomática, e possibilitando as apreensões determinadas pela justiça francesa.
Ao final do julgamento, doze juízes da Corte, incluindo o brasileiro Antonio Augusto Cançado Trindade, declararam que a República Francesa não violou as obrigações contidas na Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, rejeitando também os outros argumentos instruídos pela República da Guiné Equatorial.
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