*Por João Victor Sallani.
Foto:Stefan Rouseau/PA Wire/Pool.
No último dia 5 de junho, os membros do G7, grupo das sete maiores economias do mundo, anunciaram ter alcançado consenso para empreender uma “reforma tributária global” disposta a adaptar seus sistemas tributários à realidade da nova economia digital. Para isso, os países do G7 se comprometeram a criar um imposto mínimo de 15% sobre grandes empresas de tecnologia que, ao operarem no mundo digital, obtêm lucros em países nos quais não estão fisicamente estabelecidas, sem se sujeitar a tributação sobre rendas obtidas a partir de suas atividades em tais países.
Embora as conversas sejam ainda preliminares, o plano anunciado pelo G7 deve se basear em dois pilares: a tributação das grandes corporações nos mercados nas quais elas de fato operam - e não apenas naqueles onde têm sedes estabelecidas -, e a imposição de uma alíquota mínima de 15% sobre tais empresas, a ser adotada globalmente a partir da ampliação da cooperação internacional entre os países.
Fonte: Tax Foundation.
A efetiva instituição de um “imposto global” sobre as grandes corporações depende, no entanto, de que cada país se esforce para realizar internamente reformas dispostas a concretizar o ideal apresentado na reunião de junho. Hoje em dia, a ausência de uma uniformização internacional faz com que cada país tente lidar com a questão à sua própria maneira.
Por enquanto, o projeto é ainda incipiente e restrito às 7 principais economias do mundo. A expectativa é que a iniciativa seja mais amplamente debatida nos próximos meses e expandida a mais países na reunião dos ministros das finanças e líderes dos bancos centrais do G20 em julho.
O primeiro pilar: a tributação nos mercados nas quais as empresas de fato operam
Atualmente, a tributação das rendas das grandes corporações ocorre majoritariamente nos países nos quais estão fisicamente sediadas. Isto é, uma empresa que oferece serviços digitais em um país (por exemplo por meio de publicidade, coleta de dados, venda de produtos ou serviços) será tributada por este país se nele tiver uma sede física e estiver formalmente constituída. Caso contrário, a renda obtida pela empresa será tributada naquele outro país onde sua sede está estabelecida.
Na prática, tal realidade incentiva grandes empresas a maximizarem seus lucros se instalando formalmente em paraísos fiscais, nos quais a cobrança de tributos é baixa ou praticamente nula, a despeito de tais lucros terem sido obtidos a partir de atividades em mercados de países nos quais a tributação é mais alta. Essas empresas, dessa forma, acabam se beneficiando do mercado consumidor de determinados países sem neles deixar qualquer renda para financiamento de seus bens e serviços públicos.
O principal exemplo adotado pelos defensores da imposição de uma alíquota global sobre as grandes corporações é a Amazon, que atua na Europa a partir de uma subsidiária formalmente sediada em Luxemburgo. Em um ano no qual teve faturamento recorde de 44 bilhões de euros no continente europeu, o total pago pela Amazon a título de imposto sobre sua renda em Luxemburgo foi zero. Para que se entenda a desproporção desses números, vale observar que a Amazon emprega, em Luxemburgo, pouco mais de 5 mil funcionários - isso num universo em que a empresa tem, ao redor do mundo, um total de quase 1,3 milhão de empregados.
Até mesmo nos EUA, onde a empresa foi originalmente criada, discute-se o fato de a Amazon pagar poucos impostos. Em discursos recentes, o presidente dos EUA, Joe Biden, ressaltou que a empresa, assim como outras 91 listadas na Fortune 500, utiliza-se de subterfúgios legais para não pagar impostos federais no país onde as famílias, em geral, são submetidas a imposto médio de 20% sobre sua renda.
O primeiro pilar do projeto do G7 busca, em síntese, garantir aos países nos quais os usuários dos negócios digitais das grandes corporações multinacionais estão localizados o direito a arrecadações provenientes das rendas de grandes empresas que neles operam, garantindo, ao mesmo tempo, segurança jurídica para as empresas a partir de uma uniformização tributária internacional.
O segundo pilar: a adoção de uma alíquota global mínima de 15%
Nos moldes propostos pelo G7, as práticas adotadas pelas grandes empresas para fugir da tributação tendem a ser cerceadas, obrigando-as a encarar uma alíquota de 15% onde quer que operem, independentemente de estarem ou não fisicamente instaladas em tais países.
A fixação de um imposto mínimo global à alíquota de 15% é polêmica e, segundo alguns críticos, até mesmo insuficiente, visto que tal índice revela-se ainda abaixo da média de 23,5% praticada pelos países da OCDE, e próximo até mesmo daqueles praticados por países considerados paraísos fiscais.
O patamar de 15% acordado na reunião do G7 revela, no entanto, a dificuldade de se realizar um arranjo tributário internacional eficiente. Se, de um lado, os EUA, sob o governo de Joe Biden, sugeriam originalmente o estabelecimento de um imposto global fixado no patamar de 21%, de outro, a União Europeia luta para equilibrar as alíquotas praticadas por seus próprios membros: enquanto a Irlanda, por exemplo, adota alíquota de 12,5%, países como a França tributam a renda de suas empresas em 33%.
Fonte: OCDE.
A adoção de uma alíquota mínima de 15% para um imposto sobre as grandes corporações por meio de um grande arranjo internacional visa, sobretudo, desidratar as vantagens obtidas pelas empresas ao se instalarem em paraísos fiscais. Se adotada a proposta do G7, se uma empresa vier a se instalar em um país no qual a alíquota sobre sua renda seja menor que 15%, outros países nos quais a empresa de fato opera poderão, sobre as atividades nele desenvolvidas, aplicar a tributação necessária para se atingir o patamar mínimo de 15% estabelecido internacionalmente.
Na prática, o que se espera a partir da iniciativa do G7 é que o peso de um grande arranjo internacional force até mesmo aqueles países que atualmente se beneficiam da aplicação de baixíssima tributação sobre grandes empresas a aderirem ao patamar mínimo de 15%, uma vez para as multinacionais se tornariam nulas, ou ao menos menores, as vantagens de se instalarem nesses paraísos fiscais.
As críticas e o futuro do projeto
Apesar de a iniciativa do G7 ter sido recebida com certo entusiasmo por aqueles esperançosos pelo fim da corrida internacional predatória pela diminuição da tributação sobre grandes empresas verificada nos últimos 30 anos, diversas são as críticas quanto à forma como o projeto é atualmente discutido.
Fonte: Tax Foundation.
Segundo o texto divulgado pelo G7, estarão sujeitas ao imposto global as mais rentáveis empresas multinacionais cujas margens de lucro sejam superiores a 10%. Tal critério, no entanto, além de ser ainda pouco claro, talvez dê ensejo a uma das maiores ironias do projeto do G7. É pouco provável que a Amazon, por exemplo, se submeta ao imposto nos moldes propostos pelo G7, dado que as margens de lucro usualmente praticadas pela empresa são menores que os 10% previstos pelo plano - em 2020, por exemplo, sua margem de lucro foi de 6,3%. Embora negociadores do projeto prometam a instituição de mecanismos para a inclusão de empresas como a Amazon no acordo, os efetivos mecanismos para tal pretensão ainda são incertos.
Alex Cobham, diretor executivo da Tax Justice Network, considera que a proposta do G7, além de pouco ambiciosa ao fixar a alíquota mínima do imposto global em 15%, dispõe-se também a beneficiar preponderantemente os países mais ricos do globo, em detrimento do mundo em desenvolvimento.
Segundo relatório da OCDE publicado em 2020, a relevância das receitas provenientes de tributos sobre a renda de empresas é proporcionalmente maior em países em desenvolvimento. Enquanto entre os membros da OCDE os impostos sobre a renda das empresas representavam, em 2017, em média, 9,3% do total de sua arrecadação tributária, na América Latina tal proporção é de 15,5%, chegando a atingir 18,6% no continente africano. Em países como Egito, Malásia e Nigéria, tal índice chega a superar 25%. Em Guiné Equatorial, a proporção bate 66%.
Fonte: OCDE.
Na visão do grupo Tax Justice Network, a instituição de uma alíquota mínima global de 25% se revelaria mais justa, com previsão de geração de até US$ 780 bilhões em receitas adicionais ao redor do mundo, das quais US$ 355 bilhões ficariam com países fora do G7. Nos atuais moldes, a Tax Justice Network prevê que a geração de potenciais receitas seria de US$ 170 bilhões para os países membros do G7, e pouco mais de US$ 100 bilhões para os demais ao redor do globo.
Certo é que este se trata de um dos temas mais espinhosos da cooperação internacional contemporânea e exige a intensificação das conversas e negociações para estabelecimento de ferramentas para o efetivo estabelecimento de um sistema global mais justo, distributivo e favorável ao desenvolvimento.
Como sugerido pela Tax Justice Network, “é passada a hora de as normas tributárias internacionais serem democraticamente estabelecidas no âmbito da ONU, começando por uma convenção da ONU para a tributação”. A possibilidade de efetivação de tal ideal, no entanto, há de ser observada nos próximos anos, começando pela reunião dos ministros de finanças e presidentes de bancos centrais do G20 em julho.
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