top of page

Liberdade de expressão e a proteção de jornalistas no Sistema Africano de Direitos Humanos - parte 2

Por Hannah De Gregorio Leão e Lucimar Prata dos Santos*


Foto: Memorial a Norbert Zongo em Burkina Faso / Sputniktilt/Wikimedia Commons.


No dia 14 de agosto de 2021, a Comissão Africana de Direitos Humanos noticiou a execução sumária do jornalista investigativo Joël Musavuli, na República Democrática do Congo (RDC), o qual estava escondido desde 2019. O jornalista ficou conhecido por seu programa “let us open our eyes, people”, no qual analisava criticamente a evolução do estado de sítio e os seus efeitos nocivos de grupos armados dentro do país.


Sobre o caso, a Comissão convocou o RDC a abrir sem demora investigações neutras e imparciais para elucidar as circunstâncias dessas mortes e outras, a fim de que os perpetradores possam ser responsabilizados por seus atos. Recordando que é dever do Estado garantir que os direitos humanos, nomeadamente o direito à vida, integridade física, liberdade de expressão e opinião de jornalistas e defensores dos direitos humanos, sejam respeitados.


A execução sumária de jornalistas, ainda que impactante, é uma realidade que permeia o Continente e possui um largo histórico de casos, dentre os quais é importante salientar o emblemático caso do jornalista Nobert Zongo e outros.


O Caso de Nobert Zongo foi o primeiro e até então o único a ser levado e julgado pelo Tribunal Africano dos Direitos Humanos e dos Povos (TADHP) sob a alegação de violação do direito de liberdade de expressão, se tornando um marco na proteção à liberdade de expressão, perante a jurisprudência africana e internacional através do Requerimento nº 013/2011.

No caso, julgado em 2011, o TADHP condenou o Estado de Burkina Faso pela falta de providências quanto à investigação do assassinato dos jornalistas envolvidos (Abdoulaye Nikiema, Blaise Ilboudo e Ernest Zongo), os quais foram encontrados queimados, em 1 de dezembro de 1998, dentro do carro em que viajavam, no sul de Burkina Faso. Segundo as investigações, a morte estava conectada com o fato dos jornalistas estarem à época conduzindo a investigação de diversos escândalos políticos, econômicos e sociais no país.


A família das vítimas alegaram, perante o TADHP, uma série de violações de diversos dispositivos da Carta Africana e o uso de instrumentos internacionais de direitos humanos: violação ao direito de igualdade perante a lei e igualdade de proteção, direito à vida, direito de expressão e de comunicação, além de outros.


As mortes citadas e, em especial o caso de Nobert Zongo tiveram seu caráter retaliatório e de silenciamento comprovados, o que demonstra a instabilidade e a precariedade de muitos Estados em garantir a liberdade de expressão, a proteção aos meios de comunicação, aos jornalistas e à vida de sua população, todos estes direitos humanos explicitados no artigo 20 da Declaração de Princípios sobre a Liberdade de Expressão e Acesso à Informação em África.


Além da violação à integridade física e consequente violação à vida de jornalistas, a repressão e a restrição de liberdade por meio de sentenças infundadas e parciais é também outro instrumento violador do direito de liberdade de expressão.


O silenciamento por meio de condenações e prisões arbitrárias foi recentemente analisado pela Comissão Africana de Direitos Humanos e dos Povos no caso das jornalistas Agnes Uwimana Nkusi and Saidati Mukakibi, comunicação 426/12, que foram acusadas pelo governo de Ruanda, em 2010, de incitação à violência, divisionismo, negação do genocídio de Ruanda, principalmente pelo fato de terem criticado os tribunais de Gacaca, assim como no caso de Umohoza, e de terem difamado criminalmente o presidente Kagame. À época, Uwimana foi condenada a 17 anos e Mukakibi a sete anos de prisão. Em abril de 2012, a Suprema Corte anulou as condenações por genocídio e divisionismo e reduziu as penas para quatro e três anos, respectivamente. Elas permaneceram detidas até 2013 e 2014.


Foto: Manifestação pedindo a liberação da jornalista Umohoza. / L'Hora.


Durante o encarceramento, as jornalistas apresentaram denúncia perante a Comissão alegando violação aos seus direitos à liberdade de expressão e a um julgamento justo garantido pela Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos.


A Comissão entendeu, em 2020, que o Estado de Ruanda teria violado o direito das jornalistas, no momento em que aplicou restrições severas, sem que houvesse o devido processo legal e uma investigação imparcial. Desta forma, alertou o Estado quanto à existência de leis de difamação e insultos criminais nacionais que violam o artigo 9 da Carta Africana.


A existência de leis cerceadoras de direitos é uma afronta aos direitos humanos, bem como, impedem “jornalistas e profissionais da mídia de exercer sua profissão de boa fé, sem medo ou censura”, devendo, portanto, o Estado alterar sua legislação e a adequá-la aos princípios estabelecidos na Carta Africana.


Foto: Manifestação em favor da liberdade de expressão dos jornalistas na Somália / AFP/GETTY.


A Comissão neste mesmo sentido, noticiou ainda outros ataques, sequestros e mortes de jornalistas como: Jornalistas de Kampala (Fevereiro de 2021, Uganda); Ahmed Hussein-Suale Divela (janeiro de 2019, Gana); Ericino de Salema (Março de 2018, Moçambique); Thulani Rudolf Maseko (Março de 2014, Essuatíni); Ibrahim Abdias Abdinur (Janeiro de 2013, Somália); Eric Ohena Lembembe (Janeiro de 2013, Camarões); Umaru Sitta Turay (Maio de 2009. Serra Leoa); David Jabatti (Março de 2009, Serra Leoa); Serge Maheshe (Junho de 2007, Congo); Floribert Bwana Chuy Bin Kositi (Julho de 2007, Congo), além de outros.


Conclusão


O direito de se comunicar e de receber informações é um direito intrínseco da sociedade, é através dele que o ser humano se desenvolve e fortalece sua dignidade. A comunicação e a informação permitem ainda o desenvolvimento do pensamento, da opinião e da expressão, todos estes conformadores da personalidade individual de cada ser.


A Comissão Africana de Direitos Humanos e dos Povos explica que “liberdade de expressão e informação, incluindo o direito de procurar, receber e transmitir informações e ideia, seja oralmente, escrita ou impressa, em forma de arte, ou através de qualquer outra forma de comunicação, incluindo além das fronteiras, é um direito humano fundamental e inalienável, e indispensável componente da democracia”.


Situações complexas de conflitos armados, governos autoritários e até mesmo sobre a preservação da memória de genocídios, como no caso de Ruanda, representam, assim como o próprio TADHP afirmou, situações complexas e assuntos delicados, que podem gerar situações de impactos ao direito de liberdade de expressão dos jornalistas. Dentro da proteção de tais direitos e considerando a realidade de instabilidade política e social no continente africano, o direito à integridade física e à vida daqueles que transmitem informações é essencial para a preservação do direito à liberdade de expressão.




*Hannah De Gregorio Leão e Lucimar Prata dos Santos são pesquisadoras do Observatório Cosmopolita do Tribunal Africano dos Direitos Humanos e dos Povos.

Comments


bottom of page